Tudo agora mesmo pode estar por um segundo

Mapas costumam ser a representação formal de uma realidade estática, com informações, direções e conhecimentos sobre a superfície de um território. No entanto, há uma dualidade inerente neles: ao mesmo tempo que buscam representar com precisão o mundo, carregam em si uma certa abstração. 

 

É a partir dessa dualidade que Clara Benfatti encontrou na cartografia um material apropriado para desconstruir territórios, atravessar fronteiras, traçar rotas imaginárias e desenhar lugares impossíveis. Aqui não há lógicas hegemônicas nem protocolos de representação. Nas telas e nas esculturas, vemos uma paisagem que extrapola a localidade, convertendo o deserto em uma ideia universal. 

 

Com uma ampla seleção de imagens de satélite, Clara captura de forma inusitada os contrastes e as texturas de paisagens desérticas em sua vasta extensão, como um universo novo e desconhecido. As imagens são recriadas em pinturas, transformadas em uma nova cartografia que tenta dar conta de representar esse universo. Atacama, Kalahari, Dasht-e Kavir, Sonora, Mojave ou Gobi: o processo meticuloso de selecionar e reinterpretar essas imagens em telas dá uma nova existência a cada um desses campos desérticos.

 

São abstrações onde o território se converte em não-lugar e a paisagem em uma sutil sugestão, uma aproximação que abandona a objetividade geográfica. A simplificação vira um recurso de representação de algo mais complexo, difuso, ilegível, porém ao mesmo tempo esteticamente elaborado. Alusões a locais específicos dão espaço a um certo mistério, e cada variação de cor altera a percepção sobre a origem – geográfica ou imaginada – daquela paisagem.

Há uma preocupação em capturar as condições de luz, as texturas dos desertos e as distintas situações climáticas. Tanto nas telas quanto nas esculturas, esses lugares parecem completamente distantes. Como se a escala humana não importasse. As peças de argila, como placas mnemônicas, se tornam indícios territoriais da estranheza de um mundo sem referenciais urbanos. Já o conjunto de desertos de cerâmica traz também pequenos povoados quase fictícios, como miragens que nos convidam a esquecer as convenções da realidade e refletir como a visão das imagens de satélite não são verdades absolutas.

Clara Benfatti cria seu próprio método cartográfico, que é intuitivo, sentimental, e vai além de métricas e representações tradicionais de território, trazendo uma nova leitura desses lugares, onde o desenho acompanha as transformações da paisagem. Transcorrendo, transformando. É tempo e espaço navegando todos os sentidos.

Sylvia Monasterios