Percursos Improváveis
Tudo flui e nada permanece, tudo dá forma e nada permanece fixo.
Heráclito
As mudanças vividas pela sociedade contemporânea têm modificado a forma de interpretação do mundo e, por consequência, o consumo. Em sua obra “Vida para o Consumo”, o sociólogo Zygmunt Bauman evidencia alguns problemas gerados pela pós-modernidade. Seguindo a linha de pensamento desenvolvida ao longo do livro, o autor afirma que diante do consumo excessivo, a necessidade de mobilidade e visibilidade é cada vez maior, deflagrando uma constante reformulação de identidades como forma de assegurar os princípios de inclusão e exclusão elaborados pelo mercado.
Nesse panorama, Clara Benfatti desenvolve sua nova séria artística a partir de derivas pelas ruas de Lisboa, em busca de questionar os lastros formados a partir da observação e registro de objetos descartados, mas que ainda possam ser reutilizados e ressignificados por outras pessoas.
Em sua série, os móveis e objetos descartados são fotografados, recebendo, posteriormente, intervenções cartográficas da deriva. Quando as fotos e mapas se unem em um grande painel, apresentam não somente um reconhecimento afetivo da cidade a partir das derivas de Benfatti, mas também trazem à tona a relação da sociedade com o consumo explanada por Bauman. Para o sociólogo, a formação pós-moderna da vida social suscita uma condição humana na qual predominam o desapego, a versatilidade em meio à incerteza e a vanguarda constante de um “eterno recomeço”.
Dessa forma, ao nos mostrar esse grande mapa de objetos efêmeros, Benfatti nos apresenta uma ideia de oposição e conflito com pensamento de pertencimento a partir do consumo. Se uma sociedade é formada por aquilo que ela consome, também seria possível criar novas formas narrativas-afetivas a partir do que não é mais desejado?
Se Bauman apresenta de maneira clara e objetiva os conceitos de consumo na pós-modernidade e seus impactos sociais, Benfatti poetisa essa relação.
Carollina Lauriano, 2018
BAUMAN, Zygmunt. Vida Para o Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.