O novo lugar
O ponto de partida é cartográfico. É como lembrar da sensação satisfatória de encobrir perfeitamente uma linha sobrepondo a do mapa, memórias de escola, das aulas de Geografia, que se revelam em uma folha translúcida de papel vegetal. A coleção de canetas do estojo, previam traços em micro e macro escala, em variados tons, porém todos neutros. Cores padronizadas para marcar mapas, afinal, o mais importante naquela instância era: o desenho. Capturar os contornos do que pareciam ser registros de um outro tempo – o das eras geológicas, do surgimento de rochas, continentes e oceanos.
Clara Benfatti começa a desenhar o limiar entre o lugar real e imaginário. Mapas de todas as espécies preenchem o seu repertório: são mapas de vulcão, hidrográficos e de temperatura. Alguns mais orgânicos, outros duros e geométricos. Um grande vocabulário de leitura visual, ou um verdadeiro alfabeto com legendas e camadas de cor.
As linhas e cores saltam e se materializam a partir dos gestos orgânicos reproduzidos pela artista por meio dos cortes em placas e por pinceladas, que continuam a desenhar, mas agora com outras ferramentas, pincel e tinta, que delimitam novos contornos, áreas habitáveis, veias e mais demarcações sobre a ilha matérica, com bordas e limites reais, aos olhos do observador. Por vezes, as zonas coloridas, assumem áreas mais extensas das ilhas, tomando-as por completo em tons saturados não antes explorados pela artista.
Esta vontade de um novo lugar está ligada ao desejo de habitar a ilha. A fantasia de ilha deserta, que após horas de navegação ao mar é finalmente alcançada. O porto seguro, o descanso pleno, acalmam os ensejos sobre o futuro. A artista parece construir imaginários do novo lugar, mais do que de um lugar em si. As peças, chamadas de ilhas - que cabem na palma de uma mão, representam espaços imaginários e reais, impalpáveis e físicos, e, sem tempo definido. Apresentadas num ligeiro acúmulo, parecem concentrar-se formando diversas geografias, e juntas fazem fronteiras umas das outras. O aglomerado dessas placas, cria uma superfície de trajetos e lugares irreais.
Núria Vieira